quinta-feira, 18 de abril de 2013

Se a pesca está ruim, não culpe os leões-marinhos


Leões-marinhos migram para o litoram do Rio Grande do Sul a partir de meados de março e ficam até a primavera. Fotos: Rodrigo Machado
Pescadores do Rio Grande do Sul culpam os leões-marinhos (Otaria flavescens) pelo fraco rendimento da pesca durante o inverno. Eles são influenciados pelo que veem durante as pescarias: grupos nadando ou devorando peixes capturados pelas redes ou então danificando as armadilhas. Mas um estudo realizado pelo biólogo Rodrigo Machado, do Grupo de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul, demonstra que os suspeitos são, na verdade, inocentes. 

Durante o inverno e a primavera, leões-marinhos formam colônias de dezenas ou até centenas de animais em dois locais do litoral, no molhe (estrutura construída em pedras no litoral para proteger a saída de navios) do município de São José do Norte (RS) e na Ilha dos Lobos e imediações. Eles provavelmente vêm da Argentina e Uruguai, em busca de alimentos na costa brasileira. Essas colônias no litoral brasileiro são formadas por machos (ainda não foram registradas fêmeas por aqui). Os maiores podem pesar entre 300 e 350 quilos.

Os leões-marinhos são parentes das focas, mas ao contrário delas possuem orelhas visíveis na cabeça e usam com mais habilidade as nadadeiras frontais para se locomover em terra. Existem diversas espécies no mundo, mas apenas uma delas ocorre na América do Sul. São encontradas desde o Peru, contornando o extremo sul do continente, incluindo arquipélagos como as Malvinas, até o Sul do Brasil. Por uma razão ainda não explicada, machos de colônias de reprodução da Argentina migram para o litoral brasileiro, a partir do mês de março.

Para os pescadores, a presença destes mamíferos é um mau sinal. Eles acreditam que eles sejam capazes de consumir a fantástica quantidade de até 500 quilos de peixes em um só dia. Porém, análises feitas por Machado demonstram que essa voracidade existe apenas no imaginário dos pescadores. No estudo, realizado durante o mestrado na Universidade Vale dos Sinos (Unisinos), e que teve apoio da Fundação Boticário, foram analisados estômagos de animais encontrados mortos e foi possível então medir o apetite deles.

Os animais são capazes de danificar as redes utilizadas pelos pescadores.
“Encontramos em média entre 12 e 13 quilos no estômago de um animal morto. Então, a gente acredita que ele possa comer no máximo 20 quilos por dia”, afirma o biólogo. Esse argumento já serviria para aliviar um pouco a má fama dos otarídeos sul-americanos (o nome da família é uma referência às pequenas orelhas que possuem), mas existem outras provas de inocência. Eles não prejudicam a pesca também por uma questão de cardápio.

Os leões-marinhos se alimentam principalmente de uma espécie que, pelo menos por enquanto, não tem muito valor comercial, a maria-luísa (Paralonchurus brasiliensis). A espécie é a segunda mais abundante na plataforma continental no Sul do país, tanto em número de indivíduos quanto em biomassa, mas não é muito presente no prato das pessoas. Segundo Machado, são peixes com tamanho aproximado de dez centímetros que, quando capturados, são jogados ao fundo do mar. Para os leões-marinhos e outros predadores, a maria-luísa é uma iguaria. 

Se não está na quantidade de peixes consumidores, se não está na preferência dos predadores, a resposta para a maré ruim dos pescadores pode estar em fatores ambientais e climáticos, de acordo com Machado. “Durante o inverno, o mar fica mais agitado, os ventos ficam mais fortes, então sobram poucos dias para os pescadores irem ao mar. E quando vão, a pesca não rende o que eles esperam”, afirma o biólogo. "Os pescadores não conhecem a biologia dos leões-marinhos. Acham quem eles só comem durante as pescarias, e nós mostramos que isso não é verdade”.

O estudo já está sendo usado em ações de educação ambiental no litoral norte do Rio Grande do Sul. Assim quem sabe, os futuros pescadores passem a olhar o leão-marinho com mais simpatia.


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