quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Oceano Ártico terá verão sem gelo em 2050, diz relatório da ONU


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RAFAEL GARCIA
ENVIADO ESPECIAL A ESTOCOLMO
Quando o biólogo sueco Tom Arnbom desembarcou neste verão na costa do mar de Laptev, na Rússia, para coletar DNA de morsas, notou que os enormes mamíferos tinham um medo incomum de ursos-polares, animal que normalmente não os ataca.
Após alguns dias no local, o cientista percebeu que, sem terem gelo marinho como base de caça, os ursos não alcançavam focas e outras presas prediletas. A alternativa era tentar abocanhar filhotes de morsa, com alto risco de serem pegos pelos adultos.
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress
Esse é um dos impactos que o declínio do gelo marinho no Ártico provocou nos últimos anos. O aumento do ritmo de degelo na região é um dos principais pontos a serem revistos no próximo relatório do IPCC (painel do clima da ONU, formado por milhares de cientistas).
Amanhã, a primeira parte do texto, dedicada à física do clima, será divulgada.
"É muito provável que a cobertura de gelo marinho no Ártico continue a encolher e afinar", afirma o texto preliminar do documento. "Sob o cenário RCP8.5 [hipótese mais pessimista do relatório], um oceano Ártico quase sem gelo provavelmente será visto antes do meio do século."
O painel informa que é possível dizer com "alta confiabilidade" que o Ártico vai se aquecer mais rápido que outras regiões e revê para pior o seu prognóstico. Há menos de uma década, porém, o maior relatório sobre o tema, o "Arctic Climate Impact Assessment", estimava que o temido "setembro sem gelo" só viria no fim do século.
O gelo marinho ajuda a refletir radiação solar. Com o degelo e mais área de águas escuras para absorver calor, a escassez de superfície branca vai retroalimentar a mudança climática, diz o IPCC.
A MARCHA DAS MORSAS
Arnbom, hoje um pesquisador a serviço da ONG ambientalista WWF, trabalhou por muitos anos na região para o governo da Suécia, país que tem 15% de seu território no círculo ártico.
"O que eu vi no Ártico 40 anos atrás não existe mais. É impressionante ver quão rápido se foi. Estava lá todos os anos. Alguns eram mais frios que outros, e a população de animais variava, mas em 2007 me dei conta de que os impactos eram bem visíveis."
Naquele ano, todo o gelo em alto mar derreteu na região de Laptev, e morsas que costumavam se espalhar em pedaços de gelo marinho migraram para uma única praia, formando uma concentração de mais de 50 mil indivíduos.
O local, afastado das áreas de alimentação ricas em moluscos, era pequeno demais para abrigar tantos animais, e muitos morriam esmagados. O fenômeno se repetiu depois, em 2011, com uma concentração estimada em 100 mil morsas.
RÚSSIA x AMBIENTE
Ursos e morsas, porém, não são os únicos animais da região a terem mudado de comportamento. Segundo a WWF, a região é habitada por 40 comunidades tradicionais, que enfrentam escassez na caça e pesca artesanal.
E outro grupo de humanos, vendo novas rotas de navegação se abrirem, enxerga agora o potencial econômico da região como rota de transporte marítimo, pesca industrial e fonte de petróleo --o benefício vem justamente para a indústria cujo produto é apontado como causa da mudança climática.
A gigante russa Gazprom, que estabeleceu a primeira plataforma de petróleo "offshore" da região, teve suas instalações no mar de Pechora invadidas por ativistas do Greenpeace na semana passada. Trinta ambientalistas, incluindo uma brasileira, estão presos.
A ONG WWF também intensificou sua atividade na região. O DNA de morsas coletado por Arnbom será usado para pesquisas em universidades dinamarquesas, mas ainda está parado na alfândega russa.

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